Antes de começarmos a conversa de hoje, eu preciso fazer um disclaimer: esse é, sem sombra de dúvidas, o meu tópico preferido em teoria narrativa e eu poderia facilmente passar DIAS falando só sobre isso (sério, eu conseguiria escrever uma série só sobre a construções de vilões - e nem descarto completamente que um dia eu vá). Não só o vilão é o papel narrativo mais interessante e rico, ao meu ver, como ele é facilmente aquele com mais exemplares icônicos e épicos, além de ser o personagem que mais potencial tem para enriquecer uma boa narrativa. Uma história pode se sustentar por um bom vilão, mas uma boa história é elevada a níveis memoráveis por um vilão bem construído! Quer um exemplo: Senhor dos Anéis! A trilogia é sensacional, mas a presença da constante ameaça de Sauron e Saruman elevam a obra. Dentre as frases mais citadas de Senhor dos Anéis, talvez a mais reconhecível seja a "(...) Um anel para a todos governar, Um anel para encontrá-los. Um anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los!", e o que essa frase representa? A ameaça constante de Sauron!
"Três anéis para os Reis-Elfos sob os céus, Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores, Nove para os Homens Mortais fadados ao Eterno Sono, Um Anel para o Senhor do Escuro em seu escuro trono, na Terra de Mordor onde as sombras se deitam. Um Anel para a todos governar, Um Anel para encontrá-los. Um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los, na Terra de Mordor onde as sombras se deitam."
Mas se queremos entender os vilões na literatura, precisamos, primeiro, entender como e por que um vilão funciona:
A base do funcionamento de um vilão numa narrativa é sua função como "foil", isso é, "contraste narrativo" aos heróis. O que isso quer dizer, na prática, é que o vilão só funciona quando ele estabelece uma dinâmica com o herói e, através dessa dinâmica, acentua uma ou várias características e valores do herói.
Nesse sentido, um contraste pode ser tão extremo quanto um vilão que represente a antítese do herói (um Sauron para seu Aragorn) e tão sutil quanto um vilão que seja parecido em muitos aspectos com seu herói, mas diferente em um ou dois quesitos chave (um Saruman para seu Gandalf). Esse segundo caso normalmente gera aquele clichê que até pode ser muito bem aproveitado, mas normalmente não é, do "nós não somos tão diferentes", mas haverá um momento para falarmos sobre isso no futuro (eu não vou conseguir fugir de falar sobre anti-heróis pra sempre, afinal de contas).
Um vilão também não precisa ser uma pessoa: ele pode ser um grupo, uma organização, um governo. Novamente, uma vez que não estamos falando sobre o papel narrativo que representa (antagonista, protagonista, deuteragonista, confira a primeira postagem da série), mas sobre o eixo moral da narrativa (ou seja, se a personagem é enquadrada por esse eixo moral como alguém bom ou ruim ou mesmo se flutua entre ambos - vale dizer que, nesse caso, mesmo que por vezes aja em concordância com os heróis, esse personagem ainda seria considerado um vilão).
Quando falamos em Eixo Moral da narrativa, cabe uma nota: se a construção que você der aos valores da narrativa não for clara e bem delineada, também as motivações do vilão serão questionadas e sua função como contraste ao ou aos heróis não poderá ser plenamente realizada.
Bem, acho que por hoje está bom. Na próxima postagem falaremos um pouco sobre os tipos mais comuns de vilão (acho que se fossemos tentar incluir isso aqui, o post ficaria muito longo).
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