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Vidas Secas

Romance por Graciliano Ramos

Data da primeira publicação: 1938
Idioma original: Língua portuguesa
País: Brasil

Impressão do Grupo

A obra traz uma reflexão sobre as hierarquias socioeconômicas e seus impactos além do óbvio, na própria percepção enquanto pessoa como vemos no trecho:

“Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como cicia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença de brancos e julgava-se cabra.”

A obra continua destacando essas hierarquias ao colocar a percepção do direito a uma educação base como uma afronta, um risco, ao estilo de vida ou a própria vida, como nesses versos:

“O menino estava ficando muito curioso, muito enxerido. Se continuasse assim, metido com o que não era da conta dele, como iria acabar? Repeliu-o, vexado:
 - Esses capetas tem ideias…”

“Um dia... Sim, quando as secas desaparecessem e tudo andasse direito. .. Seria que as secas iriam desaparecer e tudo andar certo? Não sabia. Seu Tomás da bolandeira é que devia ter lido isso. Livres daquele perigo, os meninos poderiam falar, perguntar, encher-se de caprichos. Agora tinham obrigação de comportar-se como gente da laia deles.”
E encerra o assunto ao colocar a hierarquia econômica como claro divisor sociocultural.

“O patrão atual, por exemplo, berrava sem precisão. Quase nunca vinha à fazenda, só botava os pés nela para achar tudo ruim. O gado aumentava, o serviço ia bem, mas o proprietário descompunha o vaqueiro. Natural. Descompunha porque podia descompor, o Fabiano ouvia as descomposturas com o chapéu de couro debaixo do braço, desculpava-se e prometia emendar-se. Mentalmente jurava não emendar nada, porque estava tudo em ordem, e o amo só queria mostrar autoridade, gritar que era dono.”

“Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.”

Porém também demonstra uma esperança, talvez até infantil, que podemos relacionar ao “mito da caverna” a uma vontade de sair dessa e, assim, “ganhar o mundo”.

“Ele tinha querido que a palavra virasse coisa o ficara desapontado quando a mãe se referira a um lugar ruim, com espetos e fogueiras. Por isso rezingara, esperando que ela fizesse o inferno transformar-se.”

“Entristeceu. Talvez Sinha Vitória dissesse a verdade. O inferno devia estar cheio de jararacas e suçuaranas, e as pessoas que moravam lá recebiam cocorotes, puxões de orelhas e pancadas com bainha de faca.”

“Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela era nem onde era.” 

A Baleia era a projeção humana na visão de um cachorro. O texto final com o sonho é o mais marcante:

“Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de préas,. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabian enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme. O mundo ficaria cheio de préas, gordos, enormes.”

A baleia está lá igualada aos humanos ou são os humanos igualados aos animais na obra?

Mebros do clube acreditam que ela possui um nível de humanidade maior que os humanos, visto que demonstra maior empatia. 

Ou esperamos dos humanos atuais menos instinto de sobrevivência?

Também foi ponderado que os humanos eram visto mais como mão de obra e não como ser humano que merece respeito.

Agora um outro ponto que estou refletindo é: por que temos um nome próprio para o animal e não possuímos para as crianças?

Foi dito que isso é exatamente o retrato da obra.

Seria porque os filhos eram para serem vistos como propriedades pelos pais. Apenas uma mão de obra a mais para ajudar na sobrevivência da familia.

Talvez expor que a "Seca" nos leva a "perder" a polidez e agir de acordo com nossos instintos.

Em uma visão um pouco menos objetiva podemos visualizar nesta obra um ambiente em que a seca se faz presente não somente nas rotinas físicas dos personagens como também em seus pensamentos desprovidos de esperança.

Esta secura de esperança se torna angustiante quando observamos o personagem Fabiano questionando o conceito de justiça e ao mesmo tempo se colocando no papel de um “bicho”. Por não conseguir converter seus pensamentos em uma sequência lógica de palavras observamos uma série de conflitos e ao mesmo tempo um conformismo necessário para sua própria sobrevivência.

Como dito anteriormente a obra é carregada de um contexto de desigualdade social, porém fazendo uma analogia aos dias atuais tenho a impressão que a Vida continua Seca, os “Amarelos” continuam a pisar nas alpargatas dos menos favorecidos e o desafio de sermos “baleias” é algo que deve nortear nossas vidas.

Links

https://www.culturagenial.com/livro-vidas-secas-de-graciliano-ramos/

Áudio Encenação (Resumo 24 min): 

Audio Book

  1. Capítulo 1: MUDANÇA (17min), clique para acessar;
  2. Capítulo 2: FABIANO (18min), clique para acessar;
  3. Capítulo 3: CADEIA (21min), clique para acessar;
  4. Capítulo 4: SINHA VITÓRIA (17min),  clique para acessar;
  5. Capítulo 5: O MENINO MAIS NOVO (14min), clique para acessar;
  6. Capítulo 6: O MENINO MAIS VELHO (15min), clique para acessar;
  7. Capítulo 7: INVERNO (17min), clique para acessar;
  8. Capítulo 8: FESTA (28min),  clique para acessar;
  9. Capítulo 9: BALEIA (15min),  clique para acessar;
  10. Capítulo 10: CONTAS (16min),  clique para acessar;
  11. Capítulo 11: O SOLDADO AMARELO (15min),  clique para acessar;
  12. Capítulo 12: O MUNDO COBERTO DE PENAS (16min), clique para acessar;
  13. Capítulo 13: FUGA (26min), clique para acessar.

Glossário

  • aboio: canto dos vaqueiros, na maioria das vezes lento, para conduzir ou chamar a boiada
  • acocorou-se: pôr de cócoras (posição agachada)
  • aió: dizer, afirmar.
  • alpercata/alpargata: sandália, geralmente de couro, que se prende ao pé através de cadarço
  • aludir: fazer referência; referir-se
  • aluvião: depósito sedimentar formado por materiais grosseiros, mal rolados e mais ou menos soltos transportados por águas correntes
  • amodorrar: tornar sonolento
  • anil: substância de tom azulado, obtido de algumas plantas, utilizado como corante; índigo
  • aprumar: endireitar; corrigir o que está errado
  • arregar: desistir, parar o que começou, ceder.
  • arribações: ação de arribar
  • banzeiro: diz-se do mar pouco agitado
  • barreiro: terreno argiloso.
  • bilro: pequeno pedaço de madeira, de forma semelhante a uma pera, utilizado para se fazer rendas
  • binga: acendedor de fogo
  • bolandeira: no engenho de açúcar, grande roda dentada que gira sobre a moenda transmitindo-lhe movimento
  • borralho: cinzas quentes que ainda conservam alguma brasa ou calor
  • bozó: jogo, que se faz com uma bola.
  • braçada: quantidade de coisas que se pode carregar nos braços
  • bêbedo: embriagado, bêbado, alcolizado, sob efeito do álcool
  • cabra: forma informal de dirigir-se a alguém do sexo masculino no nordeste brasileiro
  • cambaio: cambão, que tem as pernas tortas com os joelhos para dentro
  • cambembe: desajeitado.
  • cangote: pescoço
  • chape-chape: Som emitido ao bater em um líquido de forma contínua e regular.
  • chofre: choque repentino
  • cirro: órgão de copulação masculino de alguns animais invertebrados, como vermes e moluscos.
  • conferenciar: ter conferência
  • copiar: dianteira das casas pequenas ou palhoças.
  • creolina: substância antisséptica, extraída do alcatrão de hulha.
  • cururu: sapo grande do gênero Bufo
  • desarrazoada: sem razão, ilógico, sem fundamento, sem justificativas.
  • embatucara: surpreender desagradavelmente
  • encafuar: ocultar.
  • encandear: ofuscar
  • encarquilhou: enrugar
  • encolerizar: provocar a cólera de; irritar a
  • enfastiar: causar fastio ou aborrecimento a
  • esbodegar: arruinar, destruir
  • escanchado: pôr as pernas separadas.
  • escanchar: pôr as pernas separadas, escarranchar
  • esgaravatar: remexer a terra com as unhas
  • espalhafato: ostentação exagerada
  • estazava: Fatigar.
  • fustigar: bater com vara; açoitar
  • fuzuê: confusão, bagunça, baderna
  • imbu: fruto produzido pelo imbuzeiro
  • incongruência: que não tem ou é contrário à congruência; ilógico.
  • irresoluto: não resoluto; hesitante
  • losna: nome de várias plantas, uma das quais é o mesmo que o absinto
  • látegos: Azorrague, chicote de cordas ou de correias.
  • macambira: planta bromeliácea (folhas rígidas, flores radiadas, fruto bacáceo ou capsular).
  • maluqueira: Doença de maluco; maluquice; estado de quem é maluco.
  • mandacaru: cacto (Cereus jamacaru) nativo do Brasil
  • mesquinha: Recusar por mesquinhez; regatear. Julgar mesquinho ou infeliz.
  • modorra: preguiça, moleza
  • mofino: infeliz
  • molambo: esfarrapado
  • mourão: pedra, que separa da lareira a pilheira.
  • mucunã: Plantas trepadeiras nativas do Brasil cujas vagens, ao tocarem no corpo humano, ocasionam uma coceira intensa.
  • mundéu: Grande quantidade; mundão
  • onomatopéias: palavra cujo falar lembra o som de uma coisa específica
  • ossadas: vários ossos
  • pasmado: apalermado, espantado, estupefato
  • pederneira: pedaço de sílex pirômaco, que produz faíscas quando atritado.
  • pezunhavam: Caminhar, andar com pés ou patas.
  • pilheira: lugar, onde há coisas empilhadas.
  • poleiro: vara onde as aves pousam e dormem.
  • povaréu: ralé
  • preá: pequeno roedor comestível, encontrado na região nordeste do Brasil
  • quipás: É um pequeno chapéu em forma de circunferência, semelhante ao solidéu, utilizada pelos judeus.
  • rasto: vestígio da passagem de alguém ou de algum animal; indício, pegada, pista.
  • regalado: causar regalo; alegrar
  • remoque: dito reservado que encerra conceito malicioso ou satírico
  • remoçar: revigorar-se, readquirir vigor; revigorar-se
  • repisar: pisar de novo
  • rezingar: resmungar
  • ronceiro: lento
  • rês: qualquer animal cuja carne é utilizada para alimentação humana
  • seixo: fragmento de pedra
  • suçuaranas: felídeo brasileiro amarelo-avermelhado de médio porte
  • taluda: que tem talo (caule) bem desenvolvido
  • tapera: Aldeia abandonada; habitação em ruínas.
  • taramela: peça de madeira que, girando em volta de um prego cravado no batente de uma porta ou cancela, a fecha
  • teso: rígido, esticado
  • tilintando: soar, como o sino, campainha ou moedas
  • tiracolo: tira de couro que atravessa de um ombro para o lado oposto na cintura.
  • tições: pedaço de madeira mal queimada; carvão; (Figurado) pessoa de tez muito escura ou muito suja
  • torpor: falta de energia; falta de vontade para agir
  • touceira: moita de árvores pequenas
  • transeunte: que transita ou passa por algum lugar
  • tropel: tumulto
  • vazante: que vaza
  • verossimilhança: qualidade de ser verossímil (semelhante à verdade).
  • xiquesxiques: tipo de chocalho; o mesmo que bicho-de-pé (Tunga penetrans).

Autores deste Maretial de Apoio a Leitura

Bruna Matos Rodrigues
Davi Fontebasso Marques de Almeida
Gabriel
Marcos Vinicius
Francisco Silva

Referências:


AUDIOCULT. Vidas Secas. Disponível em:  https://open.spotify.com/episode/0DDH9wkoOlOW2PFHNpV8kU?si=3e4JF0anQD-S8Z37gBXBmA. Acessado em 16.jul.2020.

Felipe, Jessica.Vidas Secas (Graciliano Ramos). Disponível em: https://open.spotify.com/show/1pEdqQGcp6qHdGfVhlyu4e?si=JMHh2f6-TKWkgBfc5pfrig. Acessado em 16.jul.2020.

google. Vidas Secas. Disponível em: https://g.co/kgs/PNpQC9. Acessado em 16.jul.2020Ramos, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2019.

Webysther. Vocabulário/Glossário do livro Vidas Secas de Graciliano Ramos.  Disponível em: https://medium.com/@webysther/gloss%C3%A1rio-vidas-secas-de-gracilianoramos-6f5e0ad22019. Acessado em 16.jul.2020

Wikipédia. Ficheiro:CapaVidasSecas 1ed censored.jpg. Dispnível em https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:CapaVidasSecas_1ed_censored.jpg. Acessado em 16.jul.2020.



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