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A História do Sci Fi (Parte 01 de Alguns) - Um Filho com Dois Pais.

    Conforme as discussões no grupo sobre temas a serem debatidos chegaram à seara do Sci-fi, diversas pessoas manifestaram terem lido pouco ou nada do gênero, o quê além de algo que me deixa pessoalmente triste, é provavelmente mentira. 

    Bem, mentira não é a palavra certa para descrever, mas é decerto um engano, uma vez que coisas como Maze Runner e Jogos Vorazes entram nesse gênero. Foi sugerido que eu fizesse um "aulão resumo" sobre a história do Sci Fi, mas me ocorreu fazer algo que me permitisse discorrer um pouco mais, porque eu GOSTO DE FALAR... Erm, escrever... Enfim, me expressar.

    Uma outra coisa sobre a qual fiquei pensando também foi sobre o modo como fazer isso. Vê, sendo professor, uma coisa que sempre me preocupou foi não fazer aulas entediantes e não cair na armadilha da tradicional aula "cospe-giz" (todo respeito aos professores que utilizam métodos mais tradicionais, só não é pra mim), então imaginei que uma simples explanação teórica seria deveras... Entediante.

    E aí me veio a ideia de manter à caráter com o blog de um Clube do Livro e apresentar a história através de livros. Claro, vou acabar falando um pouco sobre a parte teórica por trás disso (me conheço bem demais para me atrever a dizer que vou resistir), mas a ideia aqui é ser um pouco mais informal e trazer um universo explorável dentro do mundo da Ficção Científica.

    E, bem, se a ideia é falar sobre a história da Ficção Científica, temos que começar do começo: Onde ela surgiu. 

    E quando se fala sobre o surgimento da Ficção Científica, há dois nomes que devem ser mencionados: Mary Shelley e Júlio Verne. Ora, vamos a eles, então:

"O doutor Darwin e alguns fisiologistas alemães têm dado a entender que o fato sobre o qual se fundamenta esta ficção não é impossível de acontecer. Não se deve pensar que eu alimente a menor crença em tal imaginação; no entanto, admitindo-a como a base da obra de fantasia, eu não me considerei como apenas tecendo uma série de horrores sobrenaturais."
    
    Com estas palavras Mary Shelley inicia o prefácio daquele que ficaria conhecido como o primeiro livro a ser oficialmente denominado "Ficção Científica", e nesta frase também se cunham as bases sobre as quais o gênero se alicerçaria: A ficção científica, diferente da fantasia, não atua sobre o reino do impossível, mas da extrapolação do possível: em sua essência, a Ficção Científica é o gênero que coloca sobre a lupa fosca do "O que é" com a qual olhamos o mundo o multicor visor do "O que poderia ser", e assim fazendo, nos faz pensar sobre o quanto estamos dispostos a sacrificar da nossa humanidade para avançarmos, seja como civilização ou como indivíduo. É claro, anos depois essas limitações ao real seriam rompidas, mas no surgimento do gênero elas estavam ainda lá, presentes.

    E ainda assim, dizer que Frankenstein é um livro de Ficção Científica é apenas a metade de uma afirmação correta. Uma vez que o gênero não existia, também é importante olharmos para Frankenstein como ele foi confeccionado: como um Romance Epistolar de Horror. Nesse sentido, a inspiração do movimento romântico no livro é perceptível em diversos momentos, assim como as influências do gênero da fantasia. Mary Shelley, ironicamente, não era uma escritora de Ficção Científica, nem o poderia ser, uma vez que o termo só seria cunhado após a publicação de Frankenstein. Este titulo, o de primeiro "escritor de ficção científica" ficaria ao próximo nome do qual falaremos hoje:


"A ondulação deste número infinito de montanhas, cujos cumes nevados os fazem parecer como que cobertas por espuma, trouxe a minha lembrança a superfície de um oceano sendo espancado por uma tempestade. Se olhei para o oeste, o oceano exibia-se diante de mim em toda a sua majestosa grandeza, uma continuação de certo modo, um destes lanosos topos. Onde a terra terminava e o mar começava era impossível para o olho distinguir."

    Disse William Wordsworth: "Se o momento deva chegar onde o que é ora chamado ciência, assim familiar ao homem, esteja pronto a colocar algo como uma forma de carne e osso, o poeta lhe cederá seu divino espírito para auxiliar a transfiguração e irá receber a criatura assim produzida como um querido e legítimo membro da casa dos homens". Esta frase resume bastante o trabalho de Jules Verne. Ainda que ele possua publicações fora do gênero da Ficção Científica, a somatória de suas principais obras faz parte desse gênero, o que fez com que ele fosse conhecido não só como o primeiro autor de Ficção Científica, como também aquele que formataria os termos dentro dos quais as primeiras "ondas" do movimento floresceriam.

    Jules Verne apossou-se da ideia da "Ficção do Possível" de Shelley e resolveu se perguntar o que aconteceria se nos aproximássemos ainda mais desse possível, usando o "Provável" como fonte de inspiração. Ainda que muita da factualidade científica de Verne seja objetivamente errada, o trabalho de pesquisa e investigação do autor eram invejáveis e fazem com que seus livros, vendidos como água à época, possam para os padrões modernos soar levemente enfadonhos, mas em mais duas coisas ainda o brilho de Verne ficaria para sempre gravado no gênero: O uso de enigmas como ferramentas narrativas e a adoção da jornada ao maravilhoso.

    "Ain, André, mas Tolkien..." tá, tá, todos nós sabemos que Tolkien escrevia jornadas antes de isso ser modinha, mas há um detalhe, caro leitor, ao qual peço que se atente: Tolkien publicou em meados de 1930, Viagem ao Centro da Terra foi publicado em 1864.
E se o fato de Tolkien ter se inspirado no formato que Verne cunhou não ao menos atiçar sua curiosidade, peço que releia a citação que coloquei sob a imagem e permita que as descrições maravilhosas de Verne sobre as visões do que estava além da jornada o façam.

    E por hoje está bom. Na próxima postagem veremos como um autor comunista transforma o gênero em algo muito mais profundo e abre as portas do que seria o primeiro subgênero definido da Ficção Científica, e hoje possivelmente o mais consumido deles.

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