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EU, O LEITOR, SOU DAVI
Eu senti uma leitura relativamente fácil com Mayombe, excluindo-se o início quando os nomes e alcunhas das personagens são um pouco confusos e o uso excessivo de ênclises, o livro traz uma escrita simples, eu acho até simplista.
O meu desconhecimento do universo da guerrilha, ou guerra civil, deve ser comum aos leitores que não vivenciaram momentos históricos assim, então uma parte interessante é notar que “a vida continua”, diferente do que é retratado em filmes Norte Americanos, onde tudo gira em torno da guerra, no livro a guerra é só mais uma parte do cotidiano.
Se isso foi proposital eu considero Pepetela um escritor inteligente, pois para mim e vendo os comentários dos colegas, creio que para a maioria, os momentos de mais catarse estavam relacionados as questões cotidianas, relacionamentos comuns, amizades, amores e desafetos. Independentes da guerrilha, mas postos dentro dela.
Achei uma leitura relativamente rápida e de fácil compreensão, mais uma vez, sendo proposital, demonstra a astúcia do escritor na minha opinião. Com um contraponto do tamanho dos capítulos, são poucos e grandes, o que pessoalmente prejudica do gerenciamento da leitura.
A ironia do penúltimo capítulo (eu não considero prefácios, posfácios e afins como capítulos), “A SURUCUCU”, para mim foi o ponto alto do livro, me remeteu ao “Plus ultra!” de Machado de Assis em “O Alienista”, aquele momento especial que antecede o final, o momento de tensão verdadeira e apreensão, no amplo sentido, do leitor.
Também gostei quando compreendi a forma com que o autor construiu o herói, que não é a personagem principal, pelo menos não a mais aparente, técnica muito usada por vários autores, mas que foi bem aplicada e se deixou perceber no momento certo neste livro.
Além dessa experiência da leitura, o livro ainda trouxe as reflexões sobre o homem e o poder, e o seu status de poder, em toda a leitura, de uma forma que interpretativamente pode agradar a todos, Marxistas, Comunistas, Socialistas e, com algum esforço, “Direitistas” em geral.
É um livro fácil, de leitura simples, com conteúdo explicito, diria até didático, mas que pode ser alvo de aprofundamento. Talvez um “Pequeno Príncipe” das guerrilhas, que pode ser lido superficialmente como um mero conto ou permite-se uma busca por significados ocultos, que me deixam em dúvida serem propositais ou não. De qualquer forma isso poderia desmerecer o autor, mas não a obra.
E como sua epígrafe é praticamente um epitáfio não é difícil de imaginar a cena final antes mesmo de começar a leitura, porem a humanidade entre esses dois momentos vale essa caminhada.
Como citado em minha análise anterior (Almeida, 2020) vou partir das questões fundamentais “Como se pode comparar diferentes experiências de leitura”, “O que é, afinal, o valor” e “O que é Romance” inclusive para levar em consideração os mesmo parâmetros, pois como citei nesta primeira análise um acesso a diversas críticas de um mesmo crítico deve auxiliar na compreensão de suas diferentes experiências de leitura, creio que a consistência nas questões levantadas também.
Neste caso também permitindo uma análise mais clara quanto ao valor da obra, uma vez que esta é posta ao crítico, como dito no mesmo ensaio anterior.
Ainda neste ensaio (Almeida, 2020) eu defino o Romance como uma obra de ficção, uma narrativa compartilhada capaz de resgatar a realidade, completaria dizendo que lendo Machado (Machado, 2020) entendi que no caso dos Romances a arte evoca a realidade preexistente.
Ainda de acordo com Machado (Machado, 2020), "entende ser ele (o Romance), não só a síntese das representações culturais formadas ao longo do tempo, como também um embrião de procedimentos para composições futuras.", completa, “é o gênero que, ao debruçar-se sobre o presente, descobre o tempo que não é o seu".
Podemos dizer que tudo aquilo que é retratado no romance, ou prosa romanesca, deixa de ser "a coisa" para ser uma “imagem da coisa", relativizada pela obra, em um diálogo entre a visão do autor e do leitor.
Creio que é disso que se trata Mayombe enquanto obra. Uma peça de demonstração de uma realidade específica representada pela dialógica de seu escritor para os possíveis interlocutores.
Entre tantas características que podem ser citadas uma é a relação entre a Religião, ou aqueles que a praticam, e a corrupção social, pontuada em diversos pontos por um dos protagonistas.
Também uma preocupação com a formação do futuro a partir da educação do presente é pontuada diversas vezes, e uma sutil colocação de que a formação política seja indiferente a essa educação formal.
As questões socioeconômicas abordadas são muitas, intrincadas pela trama da guerrilha.
Por outro lado, acredito que na intenção de um processo fácil de catarse, o autor traz uma narrativa um tanto obvia dos fatos rotineiros da vida, compondo e completando a trama, mas que caminha em um ritmo de leitura quase lírico, em oposição aos acontecimentos da guerra.
Mesmo nesses momentos a obra não deixa de abordar questões socioeconômicas como o Machismo, por exemplo, que é posto como o último preconceito estrutural em sua escrita.
Dessa forma, creio que o valor da obra esteja, para mim, em dois pontos fundamentas. A possibilidade de sair de sua narrativa obvia e se aprofundar em questões ético, sociais e econômicas que são ainda palpáveis e visíveis em nossa sociedade e a, esperada, inteligência da escrita simples de atos cotidianos que nos abstraem da realidade da guerrilha, a qual não nos é comum, para as coisas e problemas cotidianos nos levando a um processo fácil de catarse.
Ao tratar assuntos mais comuns as pessoas, como adultério, romantismo e amizade eu tenho a impressão que o autor consegue resgatar o leitor e prepara-lo para suportar mais um pouco do peso das outras temáticas, sem fazer da obra um apenas um discurso político, mais do que obvio, desinteressante.
Ainda pensando nos dispositivos da escrita, apesar de trazer capítulos longos, apenas cinco ao todo, estes são interrompidos por apresentações das personagens na forma de narrativas pessoais. Assim a obra também se passa mais no mundo das ideias do que nas ações.
Muito discretamente a própria Mayombe é apresentada como uma personagem não humana, que vai perdendo sua força narrativa enquanto se avança a trama, chegando quase ao esquecimento, mas recuperando sua força total em um rompante ao final da obra.
“Sem medo” a personagem protagonista é colocada pelo autor em papel de guia desde o início da obra, artifício que inicialmente atribuí a uma tentativa de criar laços com o leitor, mas no decorrer da obra percebi uma profundidade maior, era necessário um guia, um mentor, para se ter um “herói”. Não no sentido romantizado da palavra, mas como disse Machado (Machado, 2020) "o tema do herói que tudo vence perde, assim, terreno no romance, cujos temas gravitam em torno da inadequação do homem ao seu destino".
Neste sentido a obra apresenta um herói em todos os seus passos de construção, que não é a personagem principal, porém transita por toda a história amarrando-a e findando-a inclusive. Esse artifício da escrita de Pepetela muito me agradou.
E em um último recurso a obra traz um momento “reviravolta”, cômico inclusive, precedendo o término trágico inevitavelmente anunciado em sua epígrafe, gerando o alivio necessário para o leitor aceitar e digerir sem grandes problemas o que se segue.
Mas reafirmando Machado (Machado, 2020): "As respostas adiadas são perguntas em formação, nem sempre resolvidas no final."
Creio que caiba aqui a comparação com Vidas Secas, já analisado (Almeida, 2020), em por que ler Mayombe e não a obra de Graciliano. Para mim a principal diferença é a facilidade de linguagem do primeiro, que beira uma pobreza, mas que creio ser proposital e que facilita sim a fluidez da leitura mesmo em momentos que o tema trazido não é tão interessante ao leitor.
Machado (Machado, 2020) diz que: "A língua no romance não é só representada, mas ela própria é objeto de representação". Sendo isso considerado eu creio que a escrita de Mayombe cumpre esse papel, em sua simplicidade proposital.
Também a possibilidade de ler sobre uma situação da qual nós não somos íntimos, a guerrilha e ter essa percepção de que a vida continua, mesmo na guerra, como a vida é em sociedade. Esse ponto talvez seja o principal, ler a obra para afastar-se das realidades que nos são mais comuns e sermos levados a ponderar sobre outras.
Novamente, como iniciei dizendo, se é o Romance uma história contada do ponto de vista do autor, mas em diálogo com os leitores, então, como Livro de Romance, Mayombe cumpriu este papel para este leitor.
Assis, Machado. O Alienista. São Paulo: Ática, 1978.
Machado, Irene A. A teoria do romance e a análise estético-cultural de M. Bakhtin. Disponível em http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/25539/27284. Maio.1990. Acessado em 11.ago.2020.
Pepetela. Mayombe. São Paulo: LeYa, 2019.
Ramos, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2019.
EU, O LEITOR, SOU DAVI
Eu senti uma leitura relativamente fácil com Mayombe, excluindo-se o início quando os nomes e alcunhas das personagens são um pouco confusos e o uso excessivo de ênclises, o livro traz uma escrita simples, eu acho até simplista.
O meu desconhecimento do universo da guerrilha, ou guerra civil, deve ser comum aos leitores que não vivenciaram momentos históricos assim, então uma parte interessante é notar que “a vida continua”, diferente do que é retratado em filmes Norte Americanos, onde tudo gira em torno da guerra, no livro a guerra é só mais uma parte do cotidiano.
Se isso foi proposital eu considero Pepetela um escritor inteligente, pois para mim e vendo os comentários dos colegas, creio que para a maioria, os momentos de mais catarse estavam relacionados as questões cotidianas, relacionamentos comuns, amizades, amores e desafetos. Independentes da guerrilha, mas postos dentro dela.
Achei uma leitura relativamente rápida e de fácil compreensão, mais uma vez, sendo proposital, demonstra a astúcia do escritor na minha opinião. Com um contraponto do tamanho dos capítulos, são poucos e grandes, o que pessoalmente prejudica do gerenciamento da leitura.
A ironia do penúltimo capítulo (eu não considero prefácios, posfácios e afins como capítulos), “A SURUCUCU”, para mim foi o ponto alto do livro, me remeteu ao “Plus ultra!” de Machado de Assis em “O Alienista”, aquele momento especial que antecede o final, o momento de tensão verdadeira e apreensão, no amplo sentido, do leitor.
Também gostei quando compreendi a forma com que o autor construiu o herói, que não é a personagem principal, pelo menos não a mais aparente, técnica muito usada por vários autores, mas que foi bem aplicada e se deixou perceber no momento certo neste livro.
Além dessa experiência da leitura, o livro ainda trouxe as reflexões sobre o homem e o poder, e o seu status de poder, em toda a leitura, de uma forma que interpretativamente pode agradar a todos, Marxistas, Comunistas, Socialistas e, com algum esforço, “Direitistas” em geral.
É um livro fácil, de leitura simples, com conteúdo explicito, diria até didático, mas que pode ser alvo de aprofundamento. Talvez um “Pequeno Príncipe” das guerrilhas, que pode ser lido superficialmente como um mero conto ou permite-se uma busca por significados ocultos, que me deixam em dúvida serem propositais ou não. De qualquer forma isso poderia desmerecer o autor, mas não a obra.
E como sua epígrafe é praticamente um epitáfio não é difícil de imaginar a cena final antes mesmo de começar a leitura, porem a humanidade entre esses dois momentos vale essa caminhada.
Como citado em minha análise anterior (Almeida, 2020) vou partir das questões fundamentais “Como se pode comparar diferentes experiências de leitura”, “O que é, afinal, o valor” e “O que é Romance” inclusive para levar em consideração os mesmo parâmetros, pois como citei nesta primeira análise um acesso a diversas críticas de um mesmo crítico deve auxiliar na compreensão de suas diferentes experiências de leitura, creio que a consistência nas questões levantadas também.
Neste caso também permitindo uma análise mais clara quanto ao valor da obra, uma vez que esta é posta ao crítico, como dito no mesmo ensaio anterior.
Ainda neste ensaio (Almeida, 2020) eu defino o Romance como uma obra de ficção, uma narrativa compartilhada capaz de resgatar a realidade, completaria dizendo que lendo Machado (Machado, 2020) entendi que no caso dos Romances a arte evoca a realidade preexistente.
Ainda de acordo com Machado (Machado, 2020), "entende ser ele (o Romance), não só a síntese das representações culturais formadas ao longo do tempo, como também um embrião de procedimentos para composições futuras.", completa, “é o gênero que, ao debruçar-se sobre o presente, descobre o tempo que não é o seu".
Podemos dizer que tudo aquilo que é retratado no romance, ou prosa romanesca, deixa de ser "a coisa" para ser uma “imagem da coisa", relativizada pela obra, em um diálogo entre a visão do autor e do leitor.
Creio que é disso que se trata Mayombe enquanto obra. Uma peça de demonstração de uma realidade específica representada pela dialógica de seu escritor para os possíveis interlocutores.
Entre tantas características que podem ser citadas uma é a relação entre a Religião, ou aqueles que a praticam, e a corrupção social, pontuada em diversos pontos por um dos protagonistas.
Também uma preocupação com a formação do futuro a partir da educação do presente é pontuada diversas vezes, e uma sutil colocação de que a formação política seja indiferente a essa educação formal.
As questões socioeconômicas abordadas são muitas, intrincadas pela trama da guerrilha.
Por outro lado, acredito que na intenção de um processo fácil de catarse, o autor traz uma narrativa um tanto obvia dos fatos rotineiros da vida, compondo e completando a trama, mas que caminha em um ritmo de leitura quase lírico, em oposição aos acontecimentos da guerra.
Mesmo nesses momentos a obra não deixa de abordar questões socioeconômicas como o Machismo, por exemplo, que é posto como o último preconceito estrutural em sua escrita.
Dessa forma, creio que o valor da obra esteja, para mim, em dois pontos fundamentas. A possibilidade de sair de sua narrativa obvia e se aprofundar em questões ético, sociais e econômicas que são ainda palpáveis e visíveis em nossa sociedade e a, esperada, inteligência da escrita simples de atos cotidianos que nos abstraem da realidade da guerrilha, a qual não nos é comum, para as coisas e problemas cotidianos nos levando a um processo fácil de catarse.
Ao tratar assuntos mais comuns as pessoas, como adultério, romantismo e amizade eu tenho a impressão que o autor consegue resgatar o leitor e prepara-lo para suportar mais um pouco do peso das outras temáticas, sem fazer da obra um apenas um discurso político, mais do que obvio, desinteressante.
Ainda pensando nos dispositivos da escrita, apesar de trazer capítulos longos, apenas cinco ao todo, estes são interrompidos por apresentações das personagens na forma de narrativas pessoais. Assim a obra também se passa mais no mundo das ideias do que nas ações.
Muito discretamente a própria Mayombe é apresentada como uma personagem não humana, que vai perdendo sua força narrativa enquanto se avança a trama, chegando quase ao esquecimento, mas recuperando sua força total em um rompante ao final da obra.
“Sem medo” a personagem protagonista é colocada pelo autor em papel de guia desde o início da obra, artifício que inicialmente atribuí a uma tentativa de criar laços com o leitor, mas no decorrer da obra percebi uma profundidade maior, era necessário um guia, um mentor, para se ter um “herói”. Não no sentido romantizado da palavra, mas como disse Machado (Machado, 2020) "o tema do herói que tudo vence perde, assim, terreno no romance, cujos temas gravitam em torno da inadequação do homem ao seu destino".
Neste sentido a obra apresenta um herói em todos os seus passos de construção, que não é a personagem principal, porém transita por toda a história amarrando-a e findando-a inclusive. Esse artifício da escrita de Pepetela muito me agradou.
E em um último recurso a obra traz um momento “reviravolta”, cômico inclusive, precedendo o término trágico inevitavelmente anunciado em sua epígrafe, gerando o alivio necessário para o leitor aceitar e digerir sem grandes problemas o que se segue.
Mas reafirmando Machado (Machado, 2020): "As respostas adiadas são perguntas em formação, nem sempre resolvidas no final."
Creio que caiba aqui a comparação com Vidas Secas, já analisado (Almeida, 2020), em por que ler Mayombe e não a obra de Graciliano. Para mim a principal diferença é a facilidade de linguagem do primeiro, que beira uma pobreza, mas que creio ser proposital e que facilita sim a fluidez da leitura mesmo em momentos que o tema trazido não é tão interessante ao leitor.
Machado (Machado, 2020) diz que: "A língua no romance não é só representada, mas ela própria é objeto de representação". Sendo isso considerado eu creio que a escrita de Mayombe cumpre esse papel, em sua simplicidade proposital.
Também a possibilidade de ler sobre uma situação da qual nós não somos íntimos, a guerrilha e ter essa percepção de que a vida continua, mesmo na guerra, como a vida é em sociedade. Esse ponto talvez seja o principal, ler a obra para afastar-se das realidades que nos são mais comuns e sermos levados a ponderar sobre outras.
Novamente, como iniciei dizendo, se é o Romance uma história contada do ponto de vista do autor, mas em diálogo com os leitores, então, como Livro de Romance, Mayombe cumpriu este papel para este leitor.
Referências
Almeida, Davi Fontebasso M. Por que ler Vidas Secas. Disponível em https://clubeentrelinhas.blogspot.com/2020/07/por-que-ler-vidas-secas.html. 26.julho.2020 Acessado em 11.ago.2020.Assis, Machado. O Alienista. São Paulo: Ática, 1978.
Machado, Irene A. A teoria do romance e a análise estético-cultural de M. Bakhtin. Disponível em http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/25539/27284. Maio.1990. Acessado em 11.ago.2020.
Pepetela. Mayombe. São Paulo: LeYa, 2019.
Ramos, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2019.
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