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A História do Sci Fi (Parte 02 de Alguns) - A História de Onde Erraremos!

     Com Jules Verne, a Ficção Científica se havia tornado popular e vendável, mas faltava ainda ao gênero alguém que a "elevasse" à "alta literatura", alguém que conseguisse fazer o gênero acessar a Academie Française, alguém que conseguisse fazer a Ficção científica alçar-se ao nível do Prêmio Nobel de Literatura. Faltava ao mundo H. G. Wells!


“O homem se dispusera a viver uma vida de tranquilidade e deleite explorando o trabalho duro de seus semelhantes. O homem usou o conceito de Necessidade como seu lema e sua desculpa, e agora a Necessidade se voltara contra ele.”

    Comunista declarado, Herbert George Wells percebe na Ficção Científica uma porta a ser ainda aberta, e utiliza os recursos disponibilizados pelo gênero de uma maneira única. Enquanto ainda mantendo-se fiel às premissas da extrapolação do possível e do provável e apresentando conceitos exagerados de científico, Wells utilizou de sua escrita para olhar para a sociedade e criticar a maneira como ela se organizava. Dois frutos nasceram de seu labor; dois subgêneros igualmente importantes para a compreensão da Ficção Científica: O futurismo, do qual falaremos em uma postagem vindoura, e as distopias, tópico do qual falaremos hoje.

    Enquanto havia na essência dos escritos de H. G. Wells uma certa esperança de que a tecnologia nos auxiliaria no galgar novas etapas do avanço humano, havia também um alerta de que se a mudança não viesse, a tecnologia apenas serviria para potencializar os problemas já presentes em nossa sociedade.

    Em A Máquina do Tempo, Wells nos apresenta a ideia de um viajante no tempo que, ao explorar o futuro, descobre a humanidade tendo se dividido em duas novas espécies: os altivos e quase feéricos Eloi, que vivem à superfície do mundo, livres das amarras do trabalho e com seu sustento assegurado pelo constante trabalho da outra raça, os Morlocks, que, por sua vez, vivem sob a superfície do mundo, operando o maquinário e realizando o trabalho pesado dessa sociedade. Enquanto os Eloi tem feições altivas e elegantes, os Morlocks são brutos, seus corpos adaptados ao trabalho pesado e exaustivo, seus olhos adaptados à escuridão das profundezas. Nessa sociedade apresentada por Wells, nas noites sem luar os Morlocks sobem à superfície para caçar e devorar os Eloi, que tiveram seu intelecto reduzido a uma quase infantilidade pela indulgência ao lazer.

    A alegoria óbvia da degeneração da alta classe tornando-se os Eloi e da degeneração do proletariado tornando-se os Morlocks é a maneira do autor questionar a estrutura social dentro da qual vivia, conceito que estabeleceria as bases fundamentais da Distopia.

    Não ironicamente, o subgênero da distopia encontraria seus grandes avanços nos maiores períodos de crise da humanidade, onde mais haveria a ser questionado. Talvez por isso um dos maiores títulos do gênero surja no final da década de 40.

“Porque se lazer e segurança fossem desfrutados por todos igualmente, a grande massa de seres humanos que costuma ser embrutecida pela pobreza se alfabetizaria e aprenderia a pensar por si; e depois que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde essa massa se daria conta de que a minoria privilegiada não tinha função nenhuma e acabaria com ela.”

    1984 é o livro que definiu um gênero, mas, mais do que isso, construiu uma ideia, uma "Grande Ideia"; o conceito de um ideal autoritário imposto por um governo ou forma de governo como ferramenta de controle; esta ferramente, chamada na Teoria Narrativa de "A Grande Ideia", nada mais era do que um reflexo do nazi-fascismo da época, talvez por isso as décadas de 50 e 60 viram uma explosão de obras similares que nos confrontavam com a possibilidade da dominação sob o punho ideológico de um governo autoritário. George Orwell nos mostra os perigos, e não são poucos, de uma sociedade que dobre o joelho ante um poder tirânico. Por vezes me pergunto se nossa sociedade moderna se esqueceu dessa aula...

    Mas antes de darmos o tópico como concluído, há um último passo antes de chegarmos à distopia como ela nos é apresentada hoje por pessoas como Suzanne Collins:

"Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Deixe que ele se esqueça de que há uma coisa como a guerra. Se o governo é ineficiente, despótico e avido por impostos, melhor que ele seja tudo isso do que as pessoas se preocuparem com isso."

    Fahrenheit 451 é o exemplo máximo de como a distopia alcançou a modernidade. Em 2009 Ray Bradbury nos entrega Fahrenheit 451, um livro que nos faz pensar no custo de uma paz tirânica ao contrastá-lo com o preço de nossa liberdade. O livro traz uma realidade em que a posse e consumo de livros são proibidos e em que a estupidificação das massas é a meta declarada do governo.

    E com isso podemos entender melhor sobre o subgênero da distopia. No próximo post falaremos sobre alguém que, tendo ouvido de todos que sua ideia daria errado, não se deixou abater e insistiu... E sua ideia deu errado.

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