Com a decadência do Pulp, muitos de seus grandes nomes partiram a empreitadas individuais. Frutos dessas decisões são os "Fixups", ou a adaptação de diversos contos publicados pelo mesmo autor para colocá-los em uma sequência lógica. Surgem assim Eu, Robô, de Asimov (que só não vou oficialmente colocar como recomendado aqui por um motivo que explico mais à frente) e um outro livro deveras interessante:
"No planeta Marte, à margem de um mar morto, havia uma casa com pilastras de cristal, e a cada manhã era possível ver a senhora K saboreando os frutos dourados que cresciam das paredes de cristal, ou limpando a casa com punhados de poeira magnética que se grudava à sujeira e se dispersava depois no vento morno."
Em "As Crônicas Marcianas" Ray Bradbury (sim, é a segunda recomendação dele nessa série) nos apresenta uma sociedade marciana à qual nos podemos comparar e, à seu já tradicional estilo de crítica social, usa o "outro" para questionar o "nós".
Mas, bem, ainda que o gênero que deu surgimento a esse livro seja característico à Era de Ouro, o período está mais associado à publicação de três nomes em especial: três lendas que mudaram a forma como a Ficção Científica era vista e abriram as portas da modernidade; três autores que fizeram com que a Ficção Científica se tornasse um dos gêneros mais populares de obras de ficção a serem consumidos.
E para começar, falaremos sobre o autor mais rejeitado por Campbell:
"– Em apenas quatro horas – ele disse – acaba a civilização como conhecemos."
Escolher UM título de Asimov para recomendar é, talvez, a decisão mais injusta para qualquer fã de Ficção Científica: Não só o sujeito tem mais de 500 livros publicado, como há um sem número deles que se tornaram referência na comunidade; O Cair da Noite, entretanto, foi uma das primeiras (e mais tarde, por uma triste ironia, uma das últimas) grandes publicações feitas por Asimov, e um resultado direto de sua amizade com Campbell, uma amizade oriunda das frequentes recusas do editor de publicá-lo, mas que geravam horas de conversas entre os dois em que Campbell dava dicas a Asimov para que ele pudesse melhorar sua escrita.
O Cair da Noite foi originalmente publicado como um conto em 1941 e, mais tarde, reeditado e publicado como um livro em 1990, com o auxílio de Robert Silverberg (outro autor que habita a casa dos três dígitos de livros publicados); conta a história de um mundo que é rodeado por seis sóis e, portanto, está desacostumado a lidar com noite e escuridão, uma vez que ela nunca ocorre, entretanto um estranho evento gravitacional está previsto para ocorrer em um dia que, tendo apenas um Sol no céu visível, um astro desconhecido cruzaria à sua frente, causando um eclipse. O conto é até hoje considerado pelo Prêmio Hugo¹ como o melhor conto de Ficção Científica já escrito.
"Se o conhecimento pode criar problemas, não é através da ignorância que podemos solucioná-los."
A verdade é que ao falar de Asimov, é imprescindível falar sobre os campos para os quais ele foi mais importante: robótica e futurismo. E quando falamos em Asimov e robótica, não nos referimos apenas aos conceitos literários a ela atrelados, mas a diversas questões sobre ética de programação que até hoje são debatidas e que foram levantadas por ele. E embora falemos sobre futurismo per se muito em breve, devemos entender que aqui é o ponto onde ele se formata.
Isaac Asimov, apesar de ser usado como base para todas as obras de "revolta das máquinas" e "apocalipses robóticos" que o sucederiam, buscava na verdade entender como a tecnologia nos ajudaria no futuro. Para entendermos o futurismo robótico de Asimov, é necessário observarmos suas Três Leis da Robótica:
1) Um robô não pode ferir um humano ou, por inação, permitir que ele se fira;
2)Um robô deve obedecer às ordens dos seres humanos, exceto em casos em que estas ordens conflitem com a primeira lei
3)Um robô deve proteger a própria existência, contanto que isto não conflite com a primeira e segunda leis
Essas três leis, tão conhecidas no imaginário popular de hoje em dia, são a base que Asimov usa para fazer seus questionamentos. Diferente do que o imaginário popular parece ter conjurado, entretanto, a obra de Asimov não busca usá-las como resposta aos problemas, mas como ferramenta narrativa para gerá-los; a maioria dos problemas são humanos e causados por empresas ou organizações militares tentando alterar a maneira como essas três leis se sobrepõe, mas há também o dilema apresentado quando um robô tenta ser tão altruísta que isso incomoda aos humanos.
Uma das outras heranças de Asimov foi a ideia de um Império Galático, ideia que fulgura no imaginário popular até hoje (preciso citar Star Wars aqui? Porque eu prefiro não abrir essa discussão no momento...). Vai daí que a série A Fundação (recomendada logo acima) foi a única até hoje a desbancar O Senhor dos Anéis como Melhor Série de Livros de Todos os Tempos no Prêmio Hugo¹. E Asimov foi apenas UM dos três nomes principais da Era de Ouro.
O segundo nome dessa tríade é Robert Heinlein, e, para citar James Portnow: "Poucos autores foram chamados de fascistas, libertários e ávidos defensores dos direitos iguais ao mesmo tempo. Até aí, poucos autores são Robert Heinlen." Heinlein começa sua trajetória fazendo algo extremamente notável: escrevendo livros de Ficção Científica infanto-juvenil. "Nave Galileo" e "The Cat That Walks Trough Walls" (sem tradução) sendo duas de suas mais famosas obras desse período.
E então chegamos a 1958. O Governo Eisenhower anuncia que irá encerrar os testes nucleares espaciais. Heinlein não recebeu essa notícia muito bem...
Para deixar claro: A indicação de "Tropas Estelares" é uma indicação com ressalvas. Os ideais híper-nacionalistas militares e fascistas de Heinlein sangram sobre esse livro que foi escrito, assumidamente, como uma resposta à "fraqueza de Eisenhouer de não deixar a América atingir seu máximo potencial bélico". E essa foi uma das afirmações mais suaves dele sobre o tema. Tropas Estelares, entretanto, abre as portas de um subgênero extremamente "de nicho" da Ficção Científica, mas que geraria frutos bastante ricos, a "Ficção Científica Militar" (ou "Futurismo Militar" ou "Space Marines").
Em Tropas Estelares, Heinlein apresenta uma sociedade em que as únicas pessoas com direitos de cidadão são os soldados, e ele os glorifica como os grandes heróis, descrevendo uma guerra contra uma raça alienígena aracnídea e como o heroico sacrifício dos militares é a única coisa que permite aos não militares viverem suas vidas de ócio desimportante. A obra também apresenta o conceito de que o declínio da civilização ocidental teria ocorrido graças a "eleitores indisciplinados que não mereciam o real direito ao voto"... Yep.
"Ciúme é uma doença, amor é uma condição saudável. A mente imatura confunde um com o outro, ou assume que quanto maior o amor, maior o ciúme. Na verdade, eles são quase que incompatíveis; uma emoção dificilmente cede espaço à outra."
E aí temos Um Estranho Numa Terra Estranha, um livro sobre amor livre (ou quase isso). O livro propõe uma sociedade em que mulheres são iguais aos homens em direitos e cargos (e ainda assim ao longo de sua escrita nesse livro elas são utilizadas apenas como objetos de prazer e desejo ao protagonista), propõe também uma sociedade sem racismo (e sem negros) e uma sociedade de plena liberdade sexual (exceto para homens homossexuais e mulheres homossexuais em relações que não envolvessem o protagonista), além de ser um dos livros mais explícitos do gênero. Foi o primeiro livro de Ficção Científica a alcançar o primeiro lugar da Lista de Mais Vendidos do The New York Times (O que por vezes me faz suspirar e olhar pra nossa sociedade e pensar "Sério? Com tanta opção boa você escolheram ESSE?")
O próximo grande título do autor foi Revolta na Lua, um livro em que ele apresenta uma sociedade poligâmica que se organizava com base exclusivamente no mérito pessoal e no quanto cada pessoa fazia de bem à sociedade.
E aí, em idos de 1970, a saúde de Heinlein passa a ficar bastante debilitada e sua escrita, mais ainda. Ele passa a escrever sobre incesto e defender ideais como a sexualização de crianças. Uma parte de mim quer manter a crença de que isso era alguma consequência da doença afetando o cérebro dele, uma vez que tais ideais não fulguravam nas obras anteriores dele, mas outra parte se pergunta se não foi simplesmente o bom senso de não expressar essas idéias que se foi com a doença. Sigamos adiante, basta de Heinlein.
"A ascenção da ciência, que com regular monotonia refutou as cosmologias dos profetas e produziu milagres que eles nunca poderiam alcançar, eventualmente destruiu essas fés. Ela não destruiu a maravilha, ou a reverência e a humildade, que todos os seres inteligentes sentiam ao contemplar o maravilhoso universo onde se encontram. O que ela enfraqueceu e finalmente obliterou foram os sem número de religiões, cada uma das quais clamava, com arrogância inacreditável, que era o único repositório da verdade e que seus milhões de rivais e predecessores estavam todos errados."
Arthur C. Clarke trouxe de volta à ficção científica o místico e o sobrenatural, mas não sob a lente da fantasia; ele antes o faz como um questionamento filosófico. Ele utilizou as ferramentas do gênero para questionar se havia um propósito para o indivíduo, para a sociedade e para o universo. Em A Cidade e As Estrelas ele confronto os ideários de uma religião antiga e semi-secreta com os avanços da ciência, permitindo que o protagonista siga a trilha entre as duas, levantando a possibilidade de não um, mas dois caminhos para a apoteose humana.
"Nessa nossa solitária galáxia há oitenta e sete milhões de sóis. Ao desafiá-la, vocês seriam como formigas tentando catalogar e classificar todos os grãos de areia nos desertos do mundo. É um pensamento amargo, mas vocês devem confrontá-lo. Os planetas talvez vocês um dia possuam, mas as estrelas não são para os homens."
Em O Fim da Infância, novamente Clarke traz discussões filosóficas e religiosas para o livro, desde a existência de um poder maior até a discussão sobre se um conceito de "bom" e "mal" sequer se aplicaria a um poder maior. Ao nos fazer confrontar com tais questões, Arthur C. Clarke abre as portas para toda uma série de autores que, expandindo os conceitos sobre os quais a Ficção Científica se fundamenta, buscariam explorar não a ciência sólida como seus antecessores, mas a filosofia de dilemas morais e éticos.
C. Clarke, despretensiosamente, abre as portas para o movimento de Ficção Científica New Wave.
¹O Prêmio Hugo se tornou proeminente durante a Era do Ouro e é até hoje considerado o "Oscar da Literatura de Ficção"
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