As obras de C. Clarke mostraram que a Ficção Científica se dava à filosofia e ao psicológico, e isso trouxe um novo público ao gênero, e aqui vale um disclaimer: O leitor atento irá reparar que, à exceção de Frankenstein, não tivemos uma presença sólida feminina nos livros indicados: isso não é coincidência; a quantidade de mulheres no Sci-fi durante o período Pulp e a Era de Ouro era pífia, o gênero, por libertários que Asimov e Heimlein tentassem ser, ainda era, em sua essência, machista, homofóbico e, não raro, antissemítico e racista.
Através das portas que Clarke abriu, entretanto, entrariam no gênero novos autores que mudariam a cara que ele tinha e começariam uma verdadeira 'guerra civil' com a Velha Guarda do gênero. Esse período ficaria conhecido como New Wave, mas há dois autores que é importante mencionarmos no caminho entre Clarke e o New Wave:
"Nós somos todos tolos", disse Clemens, "todo o tempo. Só somos um tipo diferente a cada dia. Nós pensamos, Eu não sou um tolo hoje. Eu aprendi minha lição. Eu fui um tolo ontem mas não esta manhã. E aí amanhã descobrimos que sim, fomos tolos hoje também. Eu acho que a única maneira de crescermos e nos darmos bem nesse mundo é aceitarmos o fato de que não somos perfeitos e vivermos de acordo."
Sim, Bradbury novamente. Ray Bradbury foi um dos primeiros autores a "quebrar vínculos" com a Ficção Científica clássica. Alias, em entrevistas ele dizia com frequência que havia escrito um único livro de Ficção Científica: Fahrenheit 451, todos os demais livros eram analises filosóficas ou fantasia, ou uma simples magia da mente que ele por acaso escrevia.
Em Uma Sombra Passou por Aqui (que pelamor, que tradução HORRENDA de "The Illustrated Man"), Bradbury apresenta vários contos que confrontam o avanço tecnológico com a natureza humana entretecidos pela história desse sujeito com várias tatuagens no corpo que foram feitas por uma misteriosa mulher do futuro; quando alguém olha diretamente para uma dessas tatuagens, ela começa a se animar e mexer, contando uma história.
"Minha agenda do dia lista seis horas de auto-depreciação acusatória"
Antes de falarmos sobre Blade Runner (que por algum motivo muito além da minha capacidade de compreensão é a tradução para o português de "Do Androids Dream of Electric Sheep?"), precisamos entender uma coisa sobre Philip K. Dick: ele tinha probleminhas. Não que isso fosse culpa dele; ele nasceu parte de um casal de gêmeos prematuros, a irmã dele morreu quando eles tinham seis meses e quando os pais mandaram enterrá-la, fizeram uma cova ao lado da dela para ele com direito a uma lápide que continha o nome dele e um espaço para que a data fosse preenchida quando ele morresse, algo super saudável para uma criança.
Para a surpresa total de zero pessoas, Philip teve problemas com depressão ao longo de toda a sua vida, além de uma série de outros distúrbios passageiros que o levaram a uma vida de acompanhamentos psicológicos e psiquiátricos. O que não tira o mérito dele - pelo contrário, eu diria - ao escrever obras que questionassem a condição humana e o que fazia de uma pessoa uma pessoa.
E talvez por isso Blade Runner seja um dos títulos mais reconhecíveis de Ficção Científica a ganhar as grandes mídias; por questionar justamente o que faz de humanos, humanos. O aspecto filosófico da obra fez com que ela ganhasse as grandes mídias, um espaço que os livros de Ficção Científica não tinham até então. Isso mostrou que o gênero tinha espaço para as mudanças que consolidariam o New Wave. E o gênero dominado por homens viu um novo surgimento de grandes nomes femininos:
A primeira pessoa que eu gostaria de indicar é Joana Russ, uma professora feminista norte-americana que ganhou diversos prêmios por sua escrita de ficção científica... Mas nenhum livro dela foi traduzido para o português... Também gostaria muito de indicar Alice Sheldon, inserida em 2012 no Hall da Fama da Ficção por sua escrita... Mas adivinha, nenhum livro traduzido para o português (Alô Aleph e Zenite, detentoras de direitos de publicação dessas duas moças, tô olhando pra vocês...)
Não que isso diminua o desagrado com o acima, mas resta-me ainda um grande nome feminino do gênero do qual tratar:
"Como alguém odeia um país, ou o ama? Tibe fala sobre isso; eu não tenho a manha. Eu conheço pessoas, eu conheço cidades, fazendas, colinas e rios e pedras, eu sei como o Sol no poente de outono se deita ao lado de um certo pedaço de terra nas colinas, mas qual o sentido de dar um limite a isso, de dar um nome e cessar o amor onde o nome cessa sua aplicação? O que é o amor do próprio país; é o ódio de um não-país? Se for, não é uma coisa boa. É simples amor-próprio? Isso é uma coisa boa, mas não deve ser tomado como virtude ou profissão..."
Ursula K. Le Guin foi: escritora, poetisa, ensaísta, ficcionista, tradutora e editora literária, e em sua carreira escreveu obras de: Ficção Científica, Fantasia, Política, Filosofia, Psicologia, Etnografia, Biologia, Religião, Antropologia, Sexualidade e Gênero. Se declarava como feminista, anarquista e taoísta. Ao longo de sua carreira acumulou quase 30 prêmios literários diferentes e ainda assim eu aposto que a maioria de vocês está ouvindo falar sobre ela pela primeira vez agora...
Em A Mão Esquerda da Escuridão, Le Guin usa o cenário de um outro planeta para debater questões como sexualidade e papéis de gênero, confrontando um humano com uma raça 'ambissexual', ou seja, que não tem gênero definido. O livro discute então os papéis que sexo e gênero têm sobre a cultura e sobre a estrutura social sobre a qual ela se apoia.
O New Wave traria uma inclusividade e amplitude de temas que a Ficção Científica nunca houvera visto antes, mas ele não era o único movimento que despontava na segunda metade do século, um outro movimento simultâneo mas bastante díspar também crescia bastante no gênero...
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