Pular para o conteúdo principal

A História do Sci-Fi (Parte 07 de Alguns) - Distopias, Parte II: Como o Modernismo Afetou o Fim do Mundo

     A Segunda Guerra Mundial acabara, mas o mundo jamais tornaria a ser o mesmo. A dinâmica de poderes no mundo mudava de uma forma perigosa, enquanto pela primeira vez havia no mundo a noção de que uma guerra nuclear era uma possibilidade no horizonte, e uma possibilidade não de todo improvável. E, como vimos, o reino do possível e do provável são os reinos onde a Ficção Científica adora atuar.

"Se há um Deus que nos fez e nós erramos diante de Seus olhos -como George diz - ao menos erramos somente porque somos como Deus nos fez, e eu não acho que Ele deveria fazer armadilhas. Ah, você já devia saber, mais do que George! Não vamos trazer tudo isso de volta ao mundo - o Deus bravo, o Deus cruel - aquele que não nos diz as regras do jogo e aí nos pune quando as quebramos. Não vamos trazê-Lo de volta."

    Em Só a Terra Permanece, Stewart nos apresenta um mundo que viu a maior parte de sua população eliminada por uma praga; as poucas pessoas que restam tentam se reorganizar e reconstruir alguma forma de sociedade após a catástrofe. O livro é um ponto de transição interessante e importante para a história da Ficção Científica; publicado em 1949, ele marca a transição entre as Distopias e os livros Apocalípticos (e pós-apocalípticos).

    Aqui, novamente, vale entender que a literatura não existe no vácuo e que, conforme mencionado anteriormente, o subgênero da distopia é movido pelos grandes e trágicos eventos da humanidade. Só a Terra Permanece foi publicado no pós-guerra da Segunda Guerra Mundial, mas quando a Guerra Fria ainda não tinha tomado a forma que teve, de modo que seu ponto de transição literário marca também um ponto de transição histórico, a transição entre o medo de um regime autoritário como o Fascismo ou Nazismo e o medo da completa e total aniquilação da espécie. As distopias avançam do "as coisas deram muito errado" para o "acabou tudo, mesmo!"

    Só a Terra Permanece funciona justamente como essa transição, mas, ao mesmo tempo que faz isso, estabelece um parâmetro que se tornaria um marco do pós-apocalítpico: a esperança. A esperança de que mesmo depois do fim do mundo, ainda aja espaço para alguma forma de prosperidade humana, ao custo de aprendermos novamente a cooperar.

"Você não tem uma alma, doutor. Você É uma alma, você TEM um corpo, temporariamente."

    Um Cântico Para Leibowitz é um lembrete de que enquanto as distopias se transformavam a davam origem à pós-apocalíptica, o movimento do New Wave estava prestes a acontecer. Um livro único dentro do gênero da Ficção, Cântico se divide em três partes em que analisa diversos aspectos de uma sociedade pós-apocalíptica e nos faz perguntas contundentes. O livro aborda religiosidade ante avanços tecnológicos, questiona se nossas morais deveriam mudar conforme a tecnologia evolui, pergunta-se se a tecnologia chegará a evoluir a um passo tão rápido que nossa compreensão seja incapaz de acompanhá-la.

    Mas, em última análise, Cântico nos mostra uma história cíclica, que começa após uma guerra nuclear e termina diante da ameaça de outra, o livro nos confronta com com a natureza humana e pergunta-nos se mudar é possível e como fazê-lo. Miller Jr. era um autor que abordava a religiosidade em seus contos e publicações, e no único livro que escreveu, optou por colocar no papel de protagonista um monastério que tenta preservar o conhecimento científico que se perdeu após a guerra atômica. Cântico é talvez um dos melhores livros de ficção científica, na minha opinião, ao mesmo tempo que é um dos que mais rompe com paradigmas pré-estabelecidos. Em certos aspectos, acho o livro mais parecido com alguns romances históricos do que com outras obras de Ficção.

"É melhor que um homem escolha o mal ou que tenha o bem imposto sobre si?"

    Eu realmente preciso apresentar Laranja Mecânica? Um livro que virou um dos filmes mais famosos do cinema moderno? Bem, creio que é justo: o livro fala sobre degeneração e violência, ele estabelece essa cultura em rápida mudança nunca cessante, como o era a cultura da década de 60. Mas mais do que isso, o livro nos questiona sobre o excesso de liberdade e sobre a natureza humana.

    O protagonista do livro é um psicopata violento e sanguinolento e o livro é escrito numa variação linguística própria, e ainda assim, é um livro difícil de largar. Não é nenhum "Não Tenho Boca e Preciso Gritar" em termos de gore e violência, mas não fica tão longe. O fato curioso que deixarei aos cinéfilos de plantão é o seguinte: A primeira versão americana do livro cortou o capítulo final, e esta foi a versão que Kubrick havia lido; portanto o filme não contém o real desfecho do livro.

    Evitando revelar demais, o capítulo final acompanha o personagem alguns anos mais velho e nos confronta com o que a idade e maturidade podem ter feito com ele.

    E com a postagem de hoje chegamos afinal à década de 80 e à mais recente revolução na literatura de Ficção Científica. Nossa jornada na história do Sci-fi aproxima-se do fim, mas há ainda duas paradas antes da estação final...






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A História do Sci Fi (Parte 01 de Alguns) - Um Filho com Dois Pais.

    Conforme as discussões no grupo sobre temas a serem debatidos chegaram à seara do Sci-fi, diversas pessoas manifestaram terem lido pouco ou nada do gênero, o quê além de algo que me deixa pessoalmente triste, é provavelmente mentira.      Bem, mentira não é a palavra certa para descrever, mas é decerto um engano, uma vez que coisas como Maze Runner e Jogos Vorazes entram nesse gênero. Foi sugerido que eu fizesse um "aulão resumo" sobre a história do Sci Fi, mas me ocorreu fazer algo que me permitisse discorrer um pouco mais, porque eu GOSTO DE FALAR... Erm, escrever... Enfim, me expressar.     Uma outra coisa sobre a qual fiquei pensando também foi sobre o modo como fazer isso. Vê, sendo professor, uma coisa que sempre me preocupou foi não fazer aulas entediantes e não cair na armadilha da tradicional aula "cospe-giz" (todo respeito aos professores que utilizam métodos mais tradicionais, só não é pra mim), então imaginei que uma simples explanação teórica seria

A História do Sci-Fi (Parte 10 de Alguns) - Notas, Desabafos e Adendos

     Ao longo dessa série, recomendei diversos livros que são historicamente importantes para a Ficção Científica e demonstram ou representam a epítome de um subgênero, movimento, ou época. Em pontos precisei me questionar sobre decisões de recomendações ou sugestões, então determinei para mim mesmo que selecionaria os livros baseados em sua relevância histórico-literária. Enquanto não me arrependo dessa decisão, confesso que ter me furtado a mencionar certos autores e livros deixou-me levemente frustrado, então me permitirei nessa postagem acrescer algumas recomendações de última hora que, apesar de não terem mudado um gênero, representado um movimento ou sido a epítome da escrita de um autor extremamente importante, são leituras que eu fortemente recomendo. "'Eu prefiro ser eu mesmo', ele disse. 'Eu mesmo e sórdido. Não outra pessoa, por alegre que seja.'"     Admirável Mundo Novo é um livro que se nem bem se encaixa no período inicial das Distopias, nem bem

Tudo o que você precisou aprender para virar um idiota

Meteoro Brasil. Esse livro é uma crítica ao livro do "filósofo" Olavo de Carvalho. Olavo, entitulado "filósofo", fez carreira como astrólogo e compartilha teorias no youtube, como marxismo cultural e células de fetos abortados na Pepsi. Escreveu "O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota", então o Meteoro escreveu o livro deles como uma paródia, ao mesmo tempo fazendo análises sobre o governo Bolsonaro e a influência do Olavo. That's it. (retirado de diálogos no grupo do Clube)