A virada do milênio veio e se foi, para muitos autores, estamos no futuro. O eterno debate entre Utopia e Distopia continua mais forte do que nunca e os grandes mecanismos que movem o mundo continuam a girar. Resta a pergunta: para onde vamos daqui? Qual o futuro da Ficção Científica?
Para deixar claro: minhas publicações até aqui tinham um viés mais de análise literária, mas nesta postagem, tentarei fazer algo um pouco diferente; tentarei analisar para onde vamos à partir de onde estamos. O que estou prestes a apresentar nessa parte da série é especulativo na melhor das hipóteses.
Ademais, como vimos ao longo da série, basta um grande evento, um novo modelo produtivo ou uma produção midiática inovadora e tudo pode mudar no gênero. Gernsback salvou a Ficção Científica ao criar o "pulp", a Guerra Fria mudou completamente o modo como as distopias se entendiam e Star Wars matou o New Age.
E para dificultar um pouco mais minha vida, estamos em um período onde esses três fatores estão em vigor: o "on demand" está dominando o mercado de distribuição, Vingadores: Ultimato recentemente se tornou a maior bilheteria da história do mundo e o COVID-19 reformatou nossas percepções de mundo de uma forma rápida e brutal.
Portanto talvez um título melhor para essa postagem fosse "O Que Eu Acho Que Vai Acontecer Se Nada Acontecer Que Mude O Que Eu Acho Que Vai Acontecer". A sonoridade não me parece tão boa...
Isso posto, vamos à eles:
"A raça humana pode estar prestes a desaparecer, mas não sem antes se entregar a uns dois anos de frenético sexo recreativo"
Em Seveneves (ainda sem direito de publicação no Brasil), Neal Stephenson nos apresenta um misto de futurismo e distopia apocalíptica causada pela explosão da Lua. As questões que se seguem, entretanto, começam a mergulhar em teoria genética e manipulação gênica, alcançando o ponto de sub-especiação do ser humano. Nesse aspecto, o futurismo que vislumbramos na obra nos apresenta novas linhas de problemas derivadas dos novos patamares que a ciência corrente ocupa.
Ainda na verve do futurismo, temos o filme Interestellar, que nos apresenta uma sociedade com problemas de produção alimentar buscando colonizar um outro planeta; é possível traçar paralelos dos problemas apresentados no começo do filme com a sombra do aquecimento global que paira sobre nossas cabeças, ainda que isso nunca seja dito ipsis literis.
"Liberdade não é uma ilusão; é perfeitamente real no contexto de consciência sequêncial. No contexto de consciência simultânea, liberdade não é relevante, nem o é coerção; é simplesmente uma diferença de contexto, não mais ou menos válida que o outro."
"História da Sua Vida" é o conto que inspirou o filme "A Chegada", e ele me pegou completamente de surpresa. Eu nunca havia lido nada de Ted Chiang e, na verdade, nunca havia ouvido falar sobre o autor antes do filme A Chegada e de descobrir que o filme se baseara em um livro. Em minha defesa, Chiang é um escritor de contos e eu não costumo consumir contos com muita frequência.
Após A Chegada, fui atrás de "História da Sua Vida e Outros Contos" e me deparei com uma escrita não apenas boa nos conceitos que apresenta, mas de uma leitura muito prazerosa. O livro em si contém contos de Ficção Científica e Fantasia e é uma recomendação que posso fazer sem peso na consciência. "O Inferno é A Ausência de Deus" e "A Evolução da Ciência Humana", junto do conto que dá título ao livro são, sem sombra de dúvida, meus preferidos (e tem direito a comentários do autor na sessão "Story Notes" que valem MUITO à pena ler).
Mas mais do que um livro que me conquistou, História traz no ar duas coisas que muito me agradaram: o frescor de algo que, buscando abordar o futurismo, o faz sob a ótica de ciências nem sempre tão valorizadas (como a linguística, na obra titular); além de questões mais filosóficas e até em diversos pontos espirituais, trazendo de volta certas premissas do movimento New Wave. Talvez, só talvez, mas um talvez que muito alegraria meu coração, haja ainda espaço para que o New Wave renasça, ainda que talvez sob outra roupagem. Fiquemos de olho em Ted Chiang.
Alias, falando em ficar de olho, Denis Villeneuve foi o diretor por trás do filme Interestellar, de Blade Runner 2049 e agora tem Duna nas mãos: se haverá uma revolução cinematográfica no gênero e eu fosse obrigado a apostar em de onde ela viria, minhas fichas estariam nele!
"Destruir as coisas é muito mais fácil que construí-las"
Jogos Vorazes, o livro que deu origem aos filmes, surge de uma crítica mista ao vício da sociedade moderna em Reality Shows e à guerra. Suzanne Collins nos mostra que a Ficção Científica pode ser levada não só a novos patamares, mas a novos públicos; ao lançar seus livros como infanto-juvenis, ela se permite discutir questões altamente íntimas dentro de suas críticas sociais. Uma série de histórias surgiriam nos anos seguintes nos moldes da série de Collins, mas creio que ainda estamos por ver o real impacto que a direção para a qual ela apontou as distopias há de ter.
Além desses que citei, começa também a surgir um movimento que está sendo chamado de Pós-Cyberpunk, que busca adotar muitos dos conceitos e estéticas apresentados pelo Cyberpunk em questões como bioengenharia e nanotecnologia. O movimento, por sua natureza, ainda está engatinhando e não me parece certa a forma que irá tomar. Falta, parece-me, emplacar ainda um grande título que lhe vá dar peso e relevância.
E com isso chegamos ao fim de nossa série, ou não exatamente. Chegamos ao fim da jornada mas ainda há mais uma postagem que quero fazer antes de deixar essa série morrer, mas será mais uma oportunidade de trazer comentários e adições que não couberam exatamente no que postei até agora. E também porque 10 é um número mais bonito para encerrar uma série do que 9... Até lá.
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